sábado, 13 de fevereiro de 2010
Preconceito religioso e ser umbandista
Infelizmente ainda vivemos em uma sociedade que tem por hábito julgar, condenar e decidir qual o padrão que todos devem seguir. Assim raças, etnias lutam entre si, afirmando uma ser superior a outra; pessoas mais bem remuneradas acreditam que são ricas por competência e dedicação, quem é pobre é porque é vadio, ignorante e preguiçoso; hetero e homossexuais discutem sobre opção sexual; homens e mulheres, etc.
Entre as formas de preconceito e discriminação encontramos o religioso. Como nos portamos diante deste preconceito? Como devemos atuar?
Fui levado a escrever sobre este tema, pois tive algumas experiências nos últimos dias que me fizeram relembrar histórias pessoais. Assim, quero compartilhá-las primeiro, para depois tentarmos juntos responder o questionamento acima.
Eu trabalhava com um grupo de pessoas extremamente ligadas a uma outra religião, e que não tinham bons olhos para as religiões espiritualistas, aliás não tinham bons olhos para com nenhuma outra religião. A não ser por mim todos eram desta outra religião.
Por alguma razão nunca me abordavam sobre minha opção religiosa. As poucas vezes que me abordavam eu desviava do assunto, ou respondia que era espírita.
Entretanto chegou um momento em que tinha decidido aceitar me preparar para o sacerdócio, para ser feito Pai-de-Santo. Foi então que me perguntei:
- “como responderei aos questionamentos agora em diante? Se falar que sou Umbandista perderei o meu emprego? Perderei a confiança dos demais?”
Quando faltavam uns 30 dias para a minha feitura, mais ou menos, recebi intuitivamente a resposta do meu dilema. Se aproximava o Pai Tobias de Guiné, um preto-velho, e assim me contava uma história por meio de imagens e pensamentos:
Quando Jesus morreu na cruz, sacerdotes de outras religiões, os romanos, e muitas pessoas queriam provar a todos que Jesus era um louco e morrera como tal. A crucificação, o calvário, foram para humilhar, para demonstrar que aquela postura não era bem vinda. Pretendiam matar e enterrar não apenas Jesus, mas o que ele representava para a humanidade.
Tão forte foi a perseguição que Jesus afirmou que um dos seus mais fiéis apóstolos iria negá-lo, e assim Pedro negou Jesus por três vezes.
Mas, Pedro passou a pregar as palavras de Jesus, assim como os demais apóstolos, e milhares e milhares de pessoas continuavam ou começavam a seguir os ensinamentos do Mestre Jesus. Roma, sentindo-se ameaçada, começa uma caça aos cristãos, prendia-os, açoitava-os, matava-os. Muitos serviam de diversão nas arenas e circos romanos, onde eram devorados por leões, e outros animais, eram assassinados por gladiadores em praças. Mas poderiam evitar a morte, o sofrimento, bastava negarem Jesus, bastava para isto deixar de acreditar em Jesus. Mas, estes homens e mulheres não negaram, não renegaram, pelo contrário assumiam suas condições de discípulos, e começavam a rezar, a demonstrar a sua fé naquele momento tão desesperador.
O que seria da história que conhecemos hoje sobre o cristianismo se não fossem os seguidores de Jesus? Se estes primeiros cristãos tivessem negado Cristo será que hoje teríamos a dádiva de conhecê-lo, de termos este mestre como exemplo?
Por fim, já em lágrimas, pois as imagens eram fortes e muito intensas, este humilde servo de Deus, dos Orixás e de Jesus Cristo, chamada Tobias, me falou assim:
Será que você será jogado aos leões? Será que você receberá a tortura? Será que morrerá?
O meu maior perigo era perder o emprego, receber um pouco de aversão ou de desrespeito dos demais. Assumir minha condição de umbandista poderia ajudar a quebrar o preconceito, mostrar a Umbanda, e lutar para que as pessoas percebessem que não importa o caminho (religião), mas sim o destino (iluminação pelo amor).
Não bastava para isto falar que era espírita, afinal espiritismo é outra religião. Era preciso assumir minha condição de Umbandista. Então, decidi, se me perguntarem falarei a verdade.
No outro dia mais de três pessoas do trabalho me questionaram. Coincidência, não é mesmo. E minha resposta foi que era umbandista, muito envergonhado e ainda tímido. A reação foi absolutamente positiva, os três queriam ir visitar o terreiro, conhecer a Umbanda.
Tive depois problemas com o trabalho, e alguns desentendimentos sérios com o meu chefe, mas o fato de ser umbandista não foi o principal motivo.
Aprendi que se não fizermos de nós exemplos para a nossa sociedade, instrumentos desmistificadores da Umbanda teremos por muito mais tempo o preconceito. Quando assumimos a Umbanda como a nossa fonte de fé, com certeza iremos sofrer preconceitos, mas também seremos instrumentos para que a discriminação um dia acabe.
Sei que para alguns assumir a condição de umbandista é muito difícil, mas o dia que estiver preparado e fizer perceberá como cada um de nós pode contribuir para uma sociedade mais solidária, e sem preconceitos.
Que os Orixás possam iluminar a todos, e que possamos todos trabalhar com esta luz para trazermos respeito, paz e solidariedade em nossa Terra.
Saravá, sou umbandista, com amor, com fé, e por isto agradeço a Deus, aos Orixás e a todas as entidades.
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