quarta-feira, 30 de maio de 2012

2012 – um ano cheio de mística e profecias.


Quem não ouviu falar que o ano de 2012 é o ano do fim do mundo? Muito tem se falado no ano de 2012, aliás, desde que o mundo não acabou no ano 2000. A expectativa de muitos de plantão era que a virada do último ano do milênio passado fosse a decretação do juízo final, afinal eram essas as profecias.

Virado o milênio e as coisas continuaram a existir, então surgiram novas profecias, ou melhor novas interpretações e descobertas. A mais comumente vista é que o calendário Maia (civilização ameríndia extinta) acaba neste ano. Outros colocam a data 12 de 12 de 12 as 12:12, como dia e hora para o fim do planeta.

Isso sem contarmos outras tantas histórias que rondam sites, livros e revistas. Este tipo de profecia é uma das demonstrações de que o homem sempre espera soluções fáceis. Não seria verdade esta afirmação se encontrássemos em outras espécies a quantidade de suicídios que encontramos nos humanos. Quando as coisas não andam como deveriam, quando não consigo enfrentar meus problemas, sempre buscamos a solução mais rápida e fácil.

Quando estamos doentes buscamos pílulas, comprimidos, xaropes que em uma dose resolvam tudo. Prova disso é o que me aconteceu esses dias. Estava em uma fila de espera em um banco e escutei com rabo de ouvido uma conversa entre duas senhoras de pouco mais de 60 anos. Uma dizia que estava com uma espécie de cogumelo nos pés. A conversa se desenrolava até eu entender que se tratava de um fungo nas unhas dos pés. E falava revoltada com a outra pessoa que o tratamento era longo, seriam semanas, ou meses tomando remédio e passando pomadas para vencer o tal cogumelo. Revoltada, ainda mais, a outra senhora afirmava que como pode estarmos tão evoluídos e ainda não termos uma pílula para resolver o problema de uma só vez.

Aquecimento global, violência, sexo descompromissado, doenças incuráveis, epidemias avassaladoras, enchentes, tornados, terremotos, secas, frio e calor intenso, tudo é sinal que o mundo vai acabar, dizem os apocalípticos de plantão. Esta é a conclusão dos profetas, e a data está posta. Tudo isto pois buscamos soluções fáceis e rápidas. 

Infelizmente, ou felizmente, não acredito nisso. Quanto mais tempo passo na seara umbandista e espiritualista percebo que para mudarmos de verdade é preciso paciência, dedicação e atenção, e não existe pílula para isso. O tempo permitirá que os espíritos sejam resgatados, que outros sejam burilados, e que muitos sejam provados, e somente com este tempo é que podemos construir em nós mesmos um mundo de paz e assim contaminarmos o ambiente com esta paz. 

O tempo chega a ser enaltecido como Nkice pelos nossos irmãos Bantus, para os Yorubás, o tempo é o senhor da existência neste plano, tamanha a importância do tempo para essas culturas milenares. Os pretos-velhos nos ensinam isso a todo instante, entender, compreender o tempo, e aproveitar este tempo para a multiplicação de estados altruístas em nós e no ambiente.

O mundo não acabará, mais fácil será o ser humano ser extinto, afinal a Terra existe há milhões de anos e nós apenas a alguns milhares. A nossa arrogância chega a tal ponto que acreditamos que vamos acabar com o mundo ou então vamos salvá-lo. Estamos, sim, destruindo a nossa possibilidade de encarnar neste planeta enquanto humanos, mas isso levará anos e com muitos sofrimentos.

As condições da Terra ficarão mais difíceis haverá escassez de recursos, doenças tropicais em locais antes inimagináveis, cataclismos irão se propagar, a natureza se mexe para rearranjar seu equilíbrio e sua harmonia. Mas, como tudo levará tempo, e será um processo que já começou, infelizmente.

O que quero dizer é que devemos, temos esta obrigação com a vida e com Deus, mudar nossos hábitos, rever nosso modelo de sociedade e de desenvolvimento. Calçarmos nossas vidas em objetivos permanentes e eternos; os objetivos das virtudes e da felicidade, e não nas questões transitórias que iludem nossa mente.

Separar o lixo, diminuir o uso de plástico e de outras substâncias não naturais, diminuirmos o uso de combustíveis, frearmos o consumismo, andarmos menos de carro e mais a pé, de bicicleta ou de transportes coletivos. Reciclarmos o lixo, reaproveitarmos tudo, não despejar lixo ou substâncias tóxicas nos rios, mares, diminuirmos o consumo de água, de energia elétrica, etc. São medidas mais que necessárias e urgentes, são medidas que comprovarão nossa responsabilidade com a vida e com a Umbanda.

Este ano vamos buscar as soluções certas, sejam elas fáceis ou difíceis, vamos buscar entender o tempo, e usar o tempo que Deus e os Orixás deram a cada um para buscarmos nossa iluminação e ajudarmos a todos em nosso entorno a fazerem o mesmo. Vamos usar este tempo não para lamentar o passado, ou querer prever o futuro, mas usar este divino tempo para fazer do hoje, do ano de 2012 o melhor ano de nossas vidas, respeitando e preservando a natureza.

Sarava nosso Pai Oxalá. Epa Babá.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Mitologia dos Orixás: Xangô, Odus e a Justiça


Antes, recomendo a leitura do texto Mitologia dos Orixás para que possamos entender o porquê dos mitos. Vale a pena.


Um mito yorubá traz um pouco dessa noção de justiça divina atribuída ao nosso Pai Xangô:

Durante o início dos tempos haviam 16 Odus, um deles Xangô, o odu Obará Meji. Xangô era o mais pobre dos odus, e estes com vergonha de Xangô foram visitar Deus e não convidaram Xangô. Chegando lá Deus deu a eles uma tarefa, preparar um ebó. Mas sendo ricos não sabiam cozinhar, e então nada fizeram. Xangô, ficou sabendo da visita, e descobriu a receita e logo que pode realizou o Ebó. Passado algum tempo os outros 15 odus voltaram a encontrar Deus, e Deus deu a cada um uma abóbora. Por respeito nada disseram, mas todos acharam aquilo algo por demais simples. Ao saírem perceberam que estavam com fome, muita fome, e então decidiram ir até Xangô e pedir a ele comida. Xangô os felicitou e entregou aos seus irmãos toda a sua comida, cozinhou e alimentou os irmãos. Que depois de satisfeitos foram embora, e deixaram suas abóboras para Xangô. Xangô começou a ficar com fome, mas não tinha o que comer, dera tudo a seus irmãos. Então pegou uma das abóboras cortou para comer quando então percebeu que estava recheada de pedras preciosas e jóias. Xangô abriu todas as 15 abóboras e em todas havia um tesouro. Xangô agora era mais rico dos que os 15 odus juntos. Ao perceberem isso os 15 odus foram pedir justiça a Deus, que então falou: me pedem justiça? Pois saibam que a justiça foi feita!

Este mito nos traz a idéia de que Justiça Divina, atribuída ao nosso Orixá Xangô, é a de entregar o verdadeiro tesouro, ou seja o tesouro de Deus, nas mãos daqueles que não medem esforços para amar e alimentar seus irmãos.


No mito Xangô não pensou em si ao dar o alimento aos seus irmãos, apenas viu que estavam com fome, que estavam necessitados. Pegou tudo que tinha e saciou aqueles irmãos. Mesmo depois de ter sido negado por esses mesmos odus, ter sofrido preconceito, ter sido deixado de lado. Xangô não julgou, apenas socorreu àqueles que a sua porta chegaram, sem nada pensar em troca, sem nada guardar rancor. Então Deus garantiu que Justiça fosse feita, e que Xangô recebesse pela sua benesse, pelo seu desprendimento. Garantiu um tesouro divino a Xangô.


Deus dá a nós na medida em que entregamos aos outros, pois quem socorre um filho de Deus, com certeza será socorrido pelo próprio Deus. E nada mais justo que encher de luz aqueles que fazem a vontade do Pai. Salve Xangô a manifestação da justiça divina em todos nós.


Kaô Kabecilê.



Pai Caetano de Oxossi

PS. O mito foi baseado no descrito por Reginaldo Prandi no livro “Mitologia dos Orixás”, editora Companhia das Letras.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Pai (Mãe) de cabeça - os caboclos da Umbanda


Na raiz de Umbanda a qual pertenço apenas um caboclo pode assumir a cabeça de um filho. Ou seja, o representante do Orixá Ancestral na coroa de uma pessoa será sempre um caboclo.


Entender esta afirmação é entender que para nós um preto-velho, uma criança não assumem a cabeça de um filho. Para nós os Pretos-velhos são os grandes administradores da Umbanda, gerenciam os trabalhos, cuidam da integração, do andamento das energias. Já as crianças são as responsáveis pela ativação, busca e controle das energias elementais, dos espíritos elementares para a magia dos terreiros.


O fato de não assumirem a cabeça de um filho não os deixa menores ou menos importantes, mas demonstram como na Umbanda há uma harmonia e uma divisão das tarefas, aliás, esta harmonia é presidida e zelada pelos Pretos-velhos.


Os caboclos representam a força dos Orixás na Terra, trazem a vontade dos Orixás para nós, e, portanto, são os representantes dos Orixás nos terreiros e nas coroas. Assim, em nossas casas sempre terá a chefia da gira e do terreiro um caboclo ou uma cabocla.


O chefe do terreiro será sempre o representante do Orixá na cabeça do Pai de Santo ou Mãe de Santo, é o que chamamos de pai de cabeça ou mãe de cabeça. Assim se o Pai de Santo é filho de Oxóssi (o pai de santo fundador da casa) a entidade chefe será um representante de Oxóssi. Se o terreiro é de Ogum, a entidade chefe da gira e do terreiro será um caboclo ou uma cabocla de Ogum, o mesmo ocorrendo com Oxóssi, Yemanjá, Iansã, Oxalá, Xangô e Oxum. Os assentamentos são seguidos segundo o Orixá sob a decisão final da entidade chefe do terreiro, portanto de um caboclo ou de uma cabocla.


Costumo dizer que o terreiro é do Pai Tobias de Guiné, e a chefia do terreiro é do caboclo Mata Virgem. Ou seja, há uma interação estreita entre estas entidades que chefiam a nossa casa, mas a gira é de Oxóssi, e, portanto a chefia cabe a um caboclo de Oxóssi, no caso nosso seu Mata Virgem.


Qual a razão dos caboclos terem esta atribuição? Fiz este questionamento aos nossos guias e a resposta foi a seguinte:


“Os donos da terra sempre serão os representantes dos Orixás naquela terra, se a Umbanda fosse da África os representantes dos Orixás na cabeça dos filhos seriam os pretos-velhos. Aliás,nos cultos do povo Bantu é exatamente isso que acontece, os representantes dos Nkices são ancestrais daquele povo, nos nagôs os Orixás são, representativamente, grandes reis ou rainhas. No Brasil os donos são os indígenas, assim a terra daqui precisa desses ancestrais para manifestar a força dos Orixás nas cabeças de vocês.” Pai Tobias de Guiné

Aliás, iniciamos nossa gira com uma cantiga que fala "...gira, gira dos caboclos, sem sua gira eu não posso trabalhar, assim, assim na fé de Oxóssi meu Pai, sem sua gira eu não posso trabalhar." Uma demonstração clara de que para nós Oxóssi enviou um caboclo para ser seu representante na Terra e chefiar nossa Gira.


Em nenhum momento há a prevalência, repito, de uma entidade sobre a outra, de uma forma de apresentação sobre a outra. O que nós apresentamos é apenas uma forma de distribuição de funções seguindo um entendimento de nossa raiz, avaliado e confirmado pelas entidades que nos orientam e chefiam nossa casa. A Umbanda, assim, mais uma vez dá a demonstração de sua ligação íntima com a natureza, com a ancestralidade, mostrando sua riqueza e a profundidade de seus fundamentos e elementos.


Talvez muitas coisas ainda não possamos entender, mas com o passar do tempo muitas se revelarão, e tenho a certeza que cada passo nesta direção fortalecerá nossa crença, nossa fé e consolidará a Umbanda em espaços cada vez mais amplos.


Autor: Pai Caetano de Oxossi

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Omolu / Obaluaê, o Orixá da transmutação, a força Divina da transformação



O Orixá que denominamos de forma dupla nos terreiros de Umbanda, ora tratamos em nossas cantigas como Omolu, ora nos reportamos a esta representação, esta emanação de Deus como Obaluaê, é um único Orixá. E assim começamos a afirmar que Omolu/Obaluaê é um Orixá, ou seja, uma emanação de Deus, uma representação, uma qualidade do próprio Criador.

Em nossa casa cultuamos e reverenciamos o Orixá Omolu/Obaluaê, e temos uma relação muito própria em tratar os Orixás, uma vez que todos aprendemos que se Omolu é Orixá, se Nanã é Orixá, se Yemanjá é Orixá, se Oxossi é Orixá, e assim por diante, devemos considerá-los como indispensáveis para a compreensão de Deus. Ou seja, não existe uma forma de não interpretarmos o mundo, seja ele material, seja ele espiritual, se não compreendermos cada um dos Orixás e a integração entre os mesmos. Assim, entendemos que todos são fundamentais e essenciais para o Universo. Se nós não entendermos um Orixá que seja, não podemos compreender o todo, ou O Todo. Para quem quiser saber quantos são e quem são, acesse o artigo "Quem são e quantos são os Orixás."

Omolu/Obaluaê é o Orixá responsável, o Orixá regente das reencarnações, é a força divina que preside o desprendimento do espírito do corpo material sem vida, e, por conseguinte a força divina que liga o espírito no corpo material. Desta forma, no desencarne e no reencarne temos a força de Omolu/Obaluaê atuando em nós.

Senhor das Almas, Omolu/Obaluaê têm regência no campo santo, ou seja, nos cemitérios, e também nos locais similares, isto é, nos locais onde culturalmente se depositam os mortos, como crematórios, mares, rios, cavernas, etc.

Omolu/Obaluaê também é conhecido como o médico dos pobres, uma vez que é o Orixá da peste e da cura da peste, é esta emanação de Deus que possibilita a transmutação de um estado doentio em um estado saudável, é nesta corrente divina que os espíritos podem trabalhar na busca de materialização e desmaterialização para a cura do corpo físico. Por ser o senhor da Morte, ele detém o poder da vida, e assim atua no mundo material também na cura das doenças.

Este Orixá tem como elemento o fogo e a terra, ou a terra flamejante, a lava. Pois ao mesmo tempo em que molda com a terra, destrói ou forja com o fogo. E por isto é o Senhor da Transformação. Para entendermos essa força transformadora, um bom meio é observarmos a pipoca. A semente de milho de pipoca é dura, não serve para comermos, é feia, acanhada, mas basta colocarmos o fogo para transformarmos este semente dura, em um alimento rico, cheio de beleza. Ao estourar a pipoca simbolizamos a força transformadora de Omolu/Obaluaê. O poder de mudar de transformar algo que não tem serventia em algo que encanta. Não é por acaso que a pipoca é um dos pratos ofertados a este Orixá.

Sem dúvida nenhuma Omolu/Obaluaê é essencial para a nossa Umbanda, para a vida material como a conhecemos. Omolu/Obaluaê é um Orixá misterioso, guarda muitos segredos, sua representação coberto de palha da costa, não é apenas uma forma de esconder suas feridas, mito contado na tradição yorubá (nagô), mas o símbolo de alguém que tem o que esconder, algo que não pode ser revelado a qualquer um.

Muitas músicas populares fazem referência a este Orixá, mas quero destacar a música Minha Fé, cantada por Zeca Pagodinho, em que no meio da música entoa:
“Nas mandingas que a gente não crê, mil coisas que a gente não vê, valei-me meu Pai Atotô Obaluaê, valei-me meu Pai Atotô Obaluaê.”

Ou seja, nos mistérios da vida, em tantas coisas que não acreditamos, mas temos medo, valei-me meu Pai, proteja-me Obaluaê, abençoa-me Omolu.

Sua cor na Umbanda retrata esta força: o branco e o preto. O branco o espectro luminoso da união de várias cores, representando a pureza, a fé divina, o que ainda pode ser preenchido, e o preto que representa a força que suga, que atrai energias. Ou seja, com uma mão Ele suga as energias que precisam ser modificadas, que nos atrapalham e com a outra Ele nos enche de fé, de pureza e de energias positivas.

Por estas razões que os Pretos-Velhos têm ligação tão íntima com a representação de Deus que chamamos Omolu/Obaluaê. Senhores ancestrais que representam as almas que já fizeram a passagem, os pretos-velhos já vivenciaram tudo o que hoje estamos passando, os Pretos-Velhos, utilizam as energias deste Orixá todo o tempo. Muitas casas saúdam os Pretos-Velhos com “adorei as Almas”, Omolu/Obaluaê é o Senhor de todas as almas.

Também encontraremos nestas explicações todos os motivos que podem justificar a proximidade e a ligação umbilical entre os Exus e Pombagiras com o Senhor Omolu/Obaluaê. Senhor do campo santo, transformador, detentor do poder de conduzir as almas, senhor das reencarnações, Omolu/Obaluaê cedem aos Exus e Pombagiras as energias tão necessárias para os seu trabalhos. Não existe nenhum Exu ou Pombagira que não use as energias de Omolu/Obaluaê de forma constante.

Assim contemplar esta força, esta energia é algo grandioso e sem esta face de Deus eu entendo que não posso compreender a Umbanda, aliás sequer posso compreender a mim mesmo. Por isso eu tenho a convicção de que Omolu/Obaluaê é um Orixá, e como Orixá é tratado, cultuado e reverenciado em nossa casa.

A saudação a Omolu/Obaluaê é Atotô! Atotô Sr. Omolu/Obaluaê. Que tem o significado de silêncio, o senhor Omolu está aqui. Um sinal de respeito, e de que todos os presentes devem observar a sabedoria e força divina deste Orixá.

Seu dia é a Segunda-feira.

Pode-se ofertar a Omolu/Obaluaê: pipoca estourada (de preferência estourar a pipoca em panela de barro com areia do mar, sem usar sal ou óleo), amendoim torrado, flores brancas (margaridas), água mineral, farofa de mandioca com banana-da-terra (feita no fogo em panela de barro usando-se mel para adoçar).

Saravá meu pai Omolu

Saravá meu Pai Obaluaê

Atotô!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os negros: a influência fundamental da África na Umbanda e no Brasil


Recebi um email de uma das médiuns de nossa casa, que está como cambone das entidades das quais eu sirvo que me despertou muito para escrever este texto. Falava-me esta filha da necessidade de resgatarmos a importância dos africanos na construção da sociedade brasileira. Relatava, ainda, a como os negros contribuíram de forma decisiva para a nossa música, nossa dança, nossa culinária, a língua que falamos, os esportes como a capoeira e a moda. Por fim dava destaque a contribuição dos negros nas religiões como a nossa UMBANDA e os candomblés.

Quantos de nós realmente sabe a importância dos negros, dos africanos e dos afro-descendentes na formação de nossa cultura, de nossa sociedade e de nosso país?

Para começar acredito que deva introduzir um pouco de história sobre a escravidão em nosso país. O faço com todas minhas limitações, razão pela qual peço perdão antecipado pelos erros, e deixo aqui o pedido para que aqueles que conhecem mais postem comentários me corrigindo e completando este artigo.

Os africanos foram sequestrados e escravizados pelos portugueses e trazidos a força para o Brasil. Isto iniciou no início do século XIV e só veio a se findar em meados do século XIX, foram mais de 300 anos de barbárie e atentado aos povos africanos.

É impossível sequer estimar o número de escravos trazidos pelos navios negreiros ao Brasil. Estudos estimam um número entre 6 a 8 milhões de negros que chegaram a estas terras. Outras centenas de milhares de pessoas morreram nos navios negreiros e foram jogadas ao mar, razão pela qual chamamos o mar de calunga grande.

Desde a sua captura até o momento de suas mortes a grande maioria dos negros não aceitavam a escravidão, e a todo momento lutavam por sua libertação. Inúmeros são os quilombos (locais onde os negros que escaparam dos cativeiros se escondiam e montavam uma sociedade) espalhados até hoje pelo país, e muitos outros foram construídos, numa demonstração de insatisfação diante do pelourinho.

As revoltas que ajudaram o país a ser um Estado independente, e mesmo a proclamação da república só aconteceram pela presença dos negros. Movimentos como o de Canudos, a Inconfidência Mineira, a Guerra Farroupilha, a Cabanada, a Balaiada, entre outras revoltas tiveram a contribuição quase majoritária de negros. Ou seja, nos tornamos independentes pela força e determinação dos negros, nos tornamos uma república pelos braços dos africanos.

Isto não nos ensinam nas escolas, mas basta uma pequena vontade de estudar todos esses movimentos e descobrir quem realmente lutou por um país livre e soberano.

A luta pela independência e pela república também era uma luta pela abolição da escravatura. A Lei Áurea a última de uma série de leis que extinguiria a escravidão no país, só aconteceu pela força de resistência dos negros. Não foi um ato de benesse de uma princesa, ou mesmo um favor dos europeus. Era sim fruto de suor e de muito sangue dos negros e de alguns brancos empenhados nos direitos humanos.

Dentre estes movimentos de libertação, muito é falado de Zumbi, chefe do Quilombo dos Palamares um dos maiores centros de resistência negra que se tem notícia. A ele foi atribuída a data do dia 20 de novembro, data da Consciência Negra. Morreu em 20 de novembro na metade do século XVII, deixando um legado de luta pelos direitos dos africanos e de seus descendentes.

Assim resolvi escrever alguns textos sobre a influência dos negros em nossa sociedade, começo pela religiosidade.

A contribuição dos africanos na nossa religião é enorme, sem esta parcela a Umbanda não seria criada. Os nossos guias chamados carinhosamente de pretos-velhos, são os administradores da Umbanda, nossos gerentes do astral, os que comandam nossa religião. Estes sábios e bondosos guias são a representação de toda a ancestralidade humana, representam aqueles que já passaram na Terra e venceram os desafios, e mesmo assim se apresentam curvados em sinal da mais pura humildade.

Não são poucas as histórias de pretos-velhos, quem se consulta com estas entidades de luz sabe que suas palavras e suas mandingas nos trazem uma paz indescritível, e uma vontade de superar nossos problemas com paciência, mas também com muita persistência.

Em nosso terreiro recebemos também o povo chamado Baiano, que em verdade são os antigos sacerdotes de muitas religiões afro-brasileiras, como a própria Umbanda, o Catimbó, a Jurema, o Xangô de Pernambuco, o Tambor de Mina, o Batuque, Almas de Angola, a Cabula, o Candomblé, seja ele de Ketu, de Angola, de Mina, ou do Jêje, ... . São representações, formas de apresentação de afro-descendentes que professavam uma fé brasileira e que por mais que tenham errado na condução deste ou daquele terreiro, roça, cabana, tenda, mata, etc., estão hoje comprometidos com a lei da Umbanda para trazer luz e sabedoria a todos que a eles se socorrem.

Os nossos Orixás são, a começar pelo nome Orixá, de origem nagô, herança abençoadíssima da África. Diversos partes de nossos rituais são herança dos negros de Angola e do Congo, a nossa percepção de mundo, de cosmogonia se assemelha e se baseia na compreensão dos povos Africanos. O respeito pela natureza, o entender das forças da natureza e a nossa subordinação a estas criações divinas são herança dos negros junto com os nativos de nossa terra brasileira.

A manipulação destas forças da natureza para conseguir ajudar e amparar os necessitados são herança dos índios e dos negros. A hierarquia dos templos de Umbanda, a figura do Pai ou da Mãe de Santo são herança destes povos.

A Umbanda deve muito e não poderia existir sem esta presença cultural, espiritual e científica dos negros.

Os candomblés (candomblé de Ketu, candomblé de Angola, etc.), o Tambor de Mina, o Xangô de Pernambuco, o Batuque (Rio Grande do Sul), as Almas de Angola (Santa Catarina), o Catimbó, o Santo Daime, são exemplos espalhados no país de uma fé baseada em muitos ritos e mitos dos africanos, herança destes ancestrais.

As próprias religiões de matriz européia como a Igreja Católica, muitas igrejas evangélicas, e em especial as pentecostais e neopentecostais, adaptaram seus ritos e seus santos para poderem atrair a população negra brasileira, mostrando a força desta cultura e de seu povo.

Enfim, não existe sequer uma religião no Brasil, que seja aberta, que não tenha de alguma forma uma influência dos negros. A nossa religiosidade enquanto país está enraizada a esta milenar cultura, a cultura dos povos africanos.

Passando depois da questão religiosidade, teremos que reverenciar a influência da África na nossa música. Samba, pagode, blues, rap, hip-hop, reggae, soul, entre tantas outras modalidades são de origem africana. E tantas outras têm raízes fortes dos africanos, como a Bossa Nova, a tropicália, a MPB brasileira como um todo, o chorinho, etc. Sobre a música e a Umbanda já foi publicado em nosso site alguns artigos.

Nossa cultura, nossa forma de viver está impregnada e abençoada com a cultura dos povos africanos, o que nos faz um povo único, rico e cheio de alegria e esperança. Assim, saravá a todos os negros, a todos os afro-descendentes, a todos africanos, saravá a nossa Mãe África.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O efeito multiplicador – energia e magia na Umbanda


Recentemente em visita a um outro terreiro de Umbanda, observei o efeito multiplicador dos atos praticados pelos médiuns em uma casa. Cheguei cedo, trinta minutos antes do início da gira, fiquei sentado em contemplação e observação.


Alguns médiuns já estavam na casa ajudando a arrumar o congá, recepcionando os visitantes e conversando entre si, mas sempre em voz baixa. Imediatamente as pessoas que chegavam ao terreiro abaixavam o tom de voz, iam sentando e conversavam com seus vizinhos de assistência em um volume muito baixo.


Logo depois iniciou-se um silêncio por parte dos médiuns, que estavam se concentrando, ou fazendo seus afazeres, mas em silêncio. Imediatamente a assistência diminuiu ainda mais o tom da conversa e mais, muitos ficaram em silêncio. O dirigente chega, e dá início aos trabalhos. A forma de condução era voltada para a introspecção e assim durante todo o trabalho a assistência observava a gira de forma muito silenciosa e com poucas conversas.


Mesmo quando os pontos eram entoados as pessoas o faziam de forma baixa, e assim quase ninguém da assistência ousava cantar. Depois de um certo tempo alguns médiuns sorriram para a assistência como se os convidassem a relaxarem, e muitos mudaram o ar de concentração para um ar mais relaxado, mais livre.


Quando alguns médiuns começaram a conversar, mesmo que de forma rápida, entre si, imediatamente a assistência também voltava a conversar. Quando as entidades chefes solicitavam a atenção e a força, todos os médiuns se voltavam para a entidade e exalavam sua fé, muitos dos presentes se comoviam, se emocionavam com esta reação.
Findado os trabalhos fui para a minha casa, e comecei a refletir sobre a gira, aprender com os trabalhos daquele terreiro, avaliar minhas práticas e meditar em como melhorar minha forma de conduzir as giras. Mas, entre um pensamento e outro me deparei com o efeito multiplicador da postura dos médiuns em um terreiro.


Assim passei a observar a nossa casa, como nos portamos e qual o efeito multiplicador de nossas atitudes. Em nossa casa por razões diversas estimulo as pessoas a conversarem a darem risada, a relaxarem a se sentiram em casa. Assim os médiuns quando chegam se abraçam e começam a conversar, imediatamente a assistência faz o mesmo, dão risadas conversam, e mesmo aqueles que estão indo pela primeira vez sentem este ar descontraído inicial e não se sentem constrangidos, pelo menos não aparentam isto.


Vou dar início aos trabalhos todos olham para o altar e então de mãos dadas iniciamos nossa gira cantando o hino da Umbanda. A assistência neste momento já se acomodou e as conversas quase que cessaram, todos se voltam para a gira em contemplação.


Quando conversamos sobre a Umbanda no início de cada trabalho, todos prestam atenção, todos querem absorver o conhecimento e assim a assistência também se concentra. Quando tocamos o atabaque e cantamos com devoção e dedicação, em nossa casa todos os médiuns cantam os pontos, concentramos nossas atenções para aquele Orixá, aquela parte do ritual percebo que muitos da assistência começam a cantar e outros ficam acompanhando o ritmo com as mãos, os pés ou a cabeça.
Abrimos para o passe, para a vibração, e todos se voltam para o altar e pedem em pensamento ajuda a todos os que ali estão, a assistência entra e sente este clima de oração e de ajuda. A seriedade e a dedicação contagiam os visitantes.


Mas da mesma forma que os aspectos positivos são contagiantes e multiplicadores, quando há displicência, conversas, desrespeito, muitos da assistência começam a perder o ar de contemplação alegre, e passam a desacreditar ou ao menos não sentir aquela união de força como sentiu anteriormente.
A postura do corpo mediúnico em uma casa é multiplicador dos estados emocionais da assistência, se todos nós percebêssemos este efeito tomaríamos muito mais cuidado com nossos atos e omissões durante, antes e depois da gira.


O corpo mediúnico unido e que segue o ritual de forma disciplinada, que acompanha o estilo de cada casa, já começa fazendo a magia da Umbanda antes mesmo da incorporação e da consulta. Seja em uma casa onde a introspecção e o silêncio são as formas, ou em uma casa em que a alegria e a disciplina em movimento são as regras, o importante é aderir ao tipo da casa de Umbanda, vestir a camisa, sentir a casa como sendo sua e se dedicar para que todos percebam como somos todos sacerdotes, discípulos em busca da fé e da caridade.


Saliento sempre que posso aos médiuns do nosso terreiro que a Umbanda é uma religião cujo ritual é exercido de forma coletiva, aqueles que compõem o corpo mediúnico são os sacerdotes, dirigidos e coordenados por um, mas todos são sacerdotes e como sacerdotes devemos ter a responsabilidade de multiplicar a paz, o amor e a fé. Quando permitimos que o desleixo a desatenção e o desrespeito se multipliquem, estamos indo contra o que pregamos.


Agradeço a Deus e aos Orixás por termos uma corrente que entende sua função como corpo, como corrente em que cada elo é forte e ajuda o outro, e que mesmo diante de nossos erros, procuramos sempre melhorar e corrigir, com tranqüilidade e perseverança. Espero que esta observação que pode ser óbvia para muitos possa fortalecer a nossa casa, e fortalecer todos os terreiros de Umbanda, pois quando nos dedicamos e amamos nosso sacerdócio, e o exercemos com responsabilidade e atenção, seguindo aquilo que acreditamos e fazendo da forma que entendemos mais correta, isto se multiplica, contagia a todos e faz a magia da Umbanda acontecer.

Saravá a todas as correntes de Umbanda, saravá todos os terreiros, saravá todos os médiuns.


Autor: Pai Caetano de Oxossi
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